domingo, 18 de fevereiro de 2018

Preocupação com vício em celulares coloca setor de tecnologia na defensiva

TIM BRADSHAW
DO "FINANCIAL TIMES"
12/01/2018 A boy makes faces while testing out the Animoji feature on an iPhone X at the Apple Store Union Square on November 3, 2017, in San Francisco, California. Apple's flagship iPhone X hits stores around the world as the company predicts bumper sales despite the handset's eye-watering price tag, and celebrates a surge in profits. / AFP PHOTO / Elijah Nouvelage
Garoto usa iPhone X em loja da Apple

Na edição deste ano da Consumer Electronics Show (CES), havia poucos problemas para os quais a solução do setor de tecnologia não fosse "mais tecnologia".
Assim, quando os fabricantes mundiais de eletrônicos acorreram a Las Vegas nesta semana para seu maior evento anual, o momento não poderia ser pior para que dois acionistas da Apple, que juntos detêm cerca de US$ 2 bilhões em ações da fabricante do iPhone, lançassem uma campanha sobre o vício em tecnologia e a saúde das crianças.
Ainda pior, os investidores fizeram de uma questão social que vinha ganhando ímpeto lentamente nos últimos 12 meses uma ameaça aos preços das ações do setor, argumentando que "a saúde dos jovens e da sociedade e, longo prazo" está "inextricavelmente ligada" à "viabilidade em longo prazo" de companhias como a Apple.
Ver o assunto de volta às manchetes no momento em que a CES estava começando apanhou o setor de surpresa. Ao contrário da inteligência artificial, dos robôs e da realidade virtual, o vício digital não estava entre os tópicos quentes da feira, nesta semana.
Muitos executivos de tecnologia vêm lidando com o problema em suas vidas pessoais, e número crescente de pais do Vale do Silício limitam o uso de smartphones por seus filhos.
Mas o impacto que encorajar os clientes a usar menos seus produtos teria sobre os lucros torna difícil discutir o problema, para as empresas de tecnologia, desenvolvedores de software e operadoras de telecomunicações.
"O pessoal das companhias que desenvolvem aparelhos estão cientes disso há algum tempo", diz Fred Bould, fundador do Bould Design, um estúdio que já trabalhou para empresas de tecnologia como a Nest, GoPro e Roku.
"O ônus fica para pais, mas seria ótimo que as empresas de mídia social e os fabricantes de aparelhos criassem controles fáceis de usar, acessíveis e transparentes. Não acredito que isso exista agora."
Em carta aberta à Apple publicada no domingo (7), a Jana Partners e o Sistema de Aposentadoria dos Professores da Califórnia, um fundo de pensões, apontaram para "as provas cada vez mais substanciais" de que o uso de smartphones e mídia social pelos jovens "pode ter consequências negativas imprevistas. Elas podem variar de perda de atenção na escola e perda de sono a depressão e perda de empatia".
Os investidores citaram pesquisas que apontam que metade dos adolescentes dos Estados Unidos afirmam que se sentem "viciados" em seus smartphones.
"Existe um consenso cada vez maior em todo o mundo, o que inclui o Vale do Silício, de que as potenciais consequências em longo prazo das novas tecnologias precisam ser pensadas desde o começo", escreveram os investidores, "e que nenhuma empresa deve terceirizar a responsabilidade para os designers de apps, nenhum dos quais conta com massa crítica."
Até mesmo alguns dos indivíduos que ajudaram a criar o iPhone concordam quanto à crise que se aproxima, e dizem que os adultos também estão em risco, não só as crianças.
"O vício em aparelhos é uma realidade", disse Tom Fadell, antigo executivo da Apple que ajudou a projetar o iPhone e depois criou a Nest, em uma série de tuítes sobre a questão esta semana.
"Apple Watches, Google Phones, Facebook, Twitter —eles se tornaram muito bons em nos fazer clicar mais uma vez, em nos dar aquela dose adicional de dopamina. Agora têm a responsabilidade e necessidade de começar a nos ajudar a perceber e administrar nossos vícios digitais", afirmou Fadell.
"Teremos regulamentações sobre isso algum dia apenas se as empresas de tecnologia não se manifestarem."
A Apple respondeu estar "sempre pensando no bem das crianças" e que a empresa já oferece "controles familiares intuitivos, que são parte do sistema operacional".
Em entrevistas durante a CES, executivos do setor de tecnologia defenderam o impacto social de seus produtos.
"Acredito que a transformação criada pelo smartphone na sociedade provavelmente seja tão significativa quanto a criada pelo carro e pela eletricidade", disse Cristiano Amon, presidente da Qualcomm, cujos chips têm papel central em muitos aparelhos móveis.
Yang Yuanqing, presidente-executivo do grupo de eletrônica chinês Lenovo, adotou posição semelhante. "Os smartphones definitivamente tornam nossas vidas mais fáceis e mais convenientes."
A Motorola, fabricante de aparelhos móveis controlada pela Lenovo, é uma das poucas a lidar com a questão abertamente. Ela oferece um teste on-line para que os usuários avaliem seu "equilíbrio fone/vida"; uma das perguntas é: "Você é dono de seu celular ou o celular é seu dono?".
Mas a empresa também recomenda mais tecnologia para enfrentar o problema —apps como o Offtime e o AntiSocial, para ajudar os pais a limitar o uso de smartphones pelos filhos ou a bloquear notificações que os distraiam.
Simon Segars, presidente-executivo da Arm Holdings, empresa de projeto de chips para aparelhos móveis, disse que o ônus de garantir que crianças usem seus smartphones responsavelmente "é das pessoas", não da tecnologia.
"Às vezes é preocupante ver uma criança pequena de olhar fixo na tela de seu celular, mas o problema vem dos pais, da criação dessa criança", disse. "Antes de existirem os celulares, ela estaria distraída com outra coisa."

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